quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Do Grupo 1 de Escolas da Armada – Vila Franca de Xira para os Adidos – Força de Fuzileiros do Continente

Em 1971 após terminar o 1º Grau de Fogueiros Motoristas, em Vila Franca, fomos destacados para os Adidos, ( Força de Fuzileiros do Continente ), para posterior partida para outros voos.
Como “ mandava a ordenança “ , saimos de Vila Franca, após o almoço, num soalheiro dia de Janeiro, em viagem de comboio, para a Estação do Rossio, em Lisboa.
Chegados a Lisboa esperamos e desesperamos por transporte da estação para a Doca da Marinha, mas o diabo do transporte nunca mais chegava. Começa a algazarra, uns dizem que vão de taxi,(os mais endinheirados), outros de autocarro, (os Lisboas e os mais conhecedores da capital), eu, o “Broega”, o Félix, o Camarinha, o Helder e outros, decidimos fazer a tirada Rossio -Doca da Marinha a pé.
De farda azul, saco mochila às costas, mala na mão e toca a andar rumo à borda do Tejo. Pelo caminho as bocas do costume, Patos, Pato Donald, Marujo de Água Doce e outros epítetos com que eramos brindados ao passarmos pelas ruas da baixa, mas marujo é marujo, siga a Marinha e nada de responder a provocações. Com a espera do transporte mais o trajecto Rossio - Doca da Marinha à pata quando chegamos à Praça do Comércio já era fim de tarde, atravessar aquela confusão de gente a entrar e sair na Estação do Sul e Sueste foi uma aventura mas o rumo vinha bem traçado e com um esforçozinho lá entramos na vedeta para a Base.
Ao atravessar o Tejo rumo à outra banda os pensamentos iam e vinham no sentido do que seriam os Adidos, a fama não era nada boa, quando lá chegamos já era noite avançada. Entregamos as guias de marcha e alguém pergunta pelo jantar. Jantar a esta hora? Hoje já “ lerparam “, responde-nos um sargento fuzileiro lá do fundo do gabinete!
E toca a destroçar direito à caserna. Na grande maioria as casernas estavam todas ocupadas, as companhias e os destacamentos de fuzileiros que chegavam e partiam para o Ultramar, a malta que ia para ali para levar baixa mais aqueles que estavam em transito para outras unidades eram mais que muitos.
Ao entrar numa das casernas reparei, de imediato, que grande parte dos beliches não tinham colchão era só o arame, se calhar os colchões já tinham sido destacados. Procurar um que estivesse livre e com colchão não foi tarefa fácil. Ao olhar para um que tinha o 1ºandar desocupado, e ao descortinar no escuro a personagem que dormia no rés do chão não consegui conter uma gargalhada, logo de seguida ouve-se um berro lá do fundo. “Oh escolas vamos lá a calar a matraca que a malta quer dormir “.
Ora o que me levou a soltar a gargalhada? O marujo que ocupava o beliche inferior estava deitado vestido e calçado só que no pé direito calçava um sapato e no esquerdo uma bota!...........Pensei para comigo, mais um coitado que veio “cacimbado” do ultramar, talvez não estivesse muito longe da verdade, pois com as cenas que por vezes se viam, dava para imaginar tudo.
Habituados à rotina de Vila Franca onde tudo era matemáticamente controlado e onde não havia granel de qualquer espécie, chegar ali apesar de avisados do que se iria encontrar, foi para as primeiras impressões um pequeno choque, o pior estava ainda para vir.
No dia seguinte na hora da primeira formatura é que vimos onde tinhamos ancorado. Formaturas a toda a hora, escalas de serviço, faxinas à cozinha e ao refeitório e guardas eram o pão nosso de cada dia. Para quem como eu que, até aquela altura, nunca tinha “exercido aquelas funções” foi um inferno até chegar o dia de ser destacado para outra unidade.
Havia para nós, os quatro algarvios e mais um amigo ou outro, uma função diária, vigiarmos a nossa bagagem, não era fácil, bastava um pouco de desatenção e o caçifo aparecia arrombado ou então o que estivesse fora dele evaporava-se num piscar de olhos, sapatos, mantas e tudo aquilo que fosse passível de passar para a posse de outro sem falar com o dono tinha que ser vigiado e trancado, felizmente que até ao fim da estadia, naquela unidade, conseguimos sair sem nenhum rombo no material.
Aí por volta do fim de Janeiro fomos “convidados” a ir à Esquadrilha de Submarinos passar o dia. Pela tarde, mandaram-nos formar e lá saiu a pergunta sacramental: Quem quer ir para os submarinos que dê um passo em frente! Antecipadamente já alguém tinha dito: Quem vai para os submarinos não vai para o ultramar! Talvez para” engodar o pessoal “ pois a grande maioria de nós tinha era a ambição de ir para os navios da NATO. Ir para os submarinos não era para mim lá muito tentador, apesar da arma ter o seu carisma. Bem vistas as coisas a minha ida para a Armada como 2º grumete, quando poderia ter ido para o Exército como Alferes ou no minímo como Furriel Miliciano, tinha por fim tentar escapar ao Ultramar, mas submarinos é que não me apetecia nada. Ir agora andar debaixo de água dentro daquelas latas de conserva... quando eu pedi ao meu pai para me deixar ir para a Força Aérea levei logo pela tromba:” Isso de voar é para os pássaros!” E agora vou para os submarinos?
Dentro daquele dilema vou não vou, e quando o Félix e o Camarinha já tinham dado o amén aparece um amigo que me diz: Está ali a Bicuda que tu conheces lá do Algarve e há malta da máquina que vai agora para a baixa! Pensei para comigo “ Vou até ao Algarve e depois seja o que Deus quiser.
Se bem pensei melhor o fiz, na parte da tarde lá tentei saber como conseguir ir para aquela unidade e tudo correu bem com a oferta de umas cervejolas, pelo meio, ao Cabo que estava lá na repartição. No dia 26 de Janeiro de 1971 apresentei-me a bordo do NRP Bicuda.

continua

Foto à la minute no Parque Eduardo VII

O Félix, o Camarinha e eu - Grupo 1, Vila Franca, 1970

Algarvios e não só.