terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

RESUMO DE PARTE DA MINHA ESTADIA NA GUINÉ


        Fui alistado na Armada em 14 de Abril de 1972, sob o nº.1405/72. Depois de feita a recruta e de seguida a especialidade de condutor de máquinas (CM), fui colocado no navio patrulha "PORTO SANTO", onde fiz serviço de vigilância à nossa costa, até ao dia 06/11/973, tendo nessa data recebido ordem de marcha para me apresentar na Força de Fuzileiros do Continente (FFC)-Adidos, onde me foi preparada toda a documentação sobre vacinas e outros para seguir para a Guiné, em rendição individual.
         Naquela Unidade, conheci o grumete  VEIGA com a mesma especialidade, que também ele tinha o mesmo destino, ou seja, rendição individual na Guiné e na mesma data, pelo que na manhã do dia 23 daquele mesmo mês e ano (dia bastante frio) nos dirigimos para o Aeroporto de Lisboa de onde fomos transportados num avião dos Transportes Aéreos Militares (TAM) com destino à Guiné.
         Chegados a Bissau, fizemos a nossa apresentação no Comando de Defesa Marítima da Guiné e ali recebemos ordem de marcha para nos apresentarmos no navio-patrulha "ARGOS" (lancha de fiscalização grande). O elemento que rendi, o grumete CM, CABRAL dias depois, regressou à Metrópole com a sua comissão finalizada.
         Se bem me lembro, daí a cinco dias, foi-nos determinada uma patrulha, a que se chamava "cruzeiro" ( mas que lindo cruzeiro)  durante cerca de 28 dias no Rio Cacheu.
         Embora tenha ouvido algum tiroteio, e explosões, nos tarrafos encostados às margens dos Rios, efectuados pelas nossas tropas e pela guerrilha à mistura com os que eram disparados a partir da minha unidade, dado que por aquelas bandas, quase tudo era considerado zonas de alto risco e de guerrilha dos quais nós tínhamos plena consciência, onde era bastante frequente o IN (inimigo) fazer emboscadas às nossas lanchas, botes dos nossos camaradas fuzileiros ( que sofriam a bom sofrer, aos quais aqui deixo uma mensagem de apreço e camaradagem ), entre outras tropas, que por ali se encontravam acantonadas ou em operações. Parte do fogachal a partir das nossas lanchas tinha como finalidade bater a zona para tentar localizar os guerrilheiros ou desalojá-los de eventuais  emboscadas e cambanças
Isto com algum poder de fogo, que até já era razoável em comparação a outras unidades navais por ali a operar, pois que ao tempo aqueles patrulhas estavam equipados com uma peça anti-aérea “BOFOORS” de 40 mm a vante e outra a ré, uma metralhadora ligeira MG 42 a bombordo e outra a estibordo , uma G3 lança granadas “ALG” em cada bordo,( um morteiro 60 mm e uma BAZOOKA) estas duas armas eram operadas, por fusos, que normalmente nos acompanhavam.
          Normalmente quando procediam à nossa rendição, regressávamos a Bissau, onde descansávamos alguns dias, para logo de seguida entrar em nova patrulha, ou para o rio Cacine. rio Cacheu, ou outro local onde a nossa presença era necessária.
          Durante esses intervalos na cidade, aproveitávamos para despachar e distribuir o pré que entretanto havíamos recebido até ao último peso e até ao novo pré, nas esplanadas dos cafés onde se deliciávamos com o bom camarão, ostras e outros, tudo acompanhado  com muitas “ bazookas” (cerveja média, relativamente maior do que a nossa cerveja normal) e as constantes batidas ao PILÃO, ALTO CRIM e ESTRADA DE BOR, onde a guerra ali era outra, por vezes até surgiam alguns mal entendidos entre as diversas forças mas quase sempre tudo acabava em sã camaradagem e as desavenças acabavam em mais uns brindes.
          Na próxima patrulha até nos sentíamos outros, pois tinha-mos tirado a barriga de misérias, para mais quase um mês de rios, tarrafo e jacarés.
          Quero  também referir, que embora nunca a minha unidade tenha sido flagelada por qualquer ataque ou emboscada, algumas unidades do género o foram, com bastante frequência, as lanchas de desembarque médias "LDM"  que frequentemente eram flageladas com o já sofisticado armamento utilizado pelos guerrilheiros,  que nos casou diversas baixas entre mortos e feridos, não só nessas lanchas, bem como nas restantes que ali operavam.
           A maior parte das missões que nos eram atribuídas, tinham o objectivo de patrulhar insistentemente os rios, dificultando infiltrações de forças inimigas, material de guerra, víveres, entre tudo o mais que podiam colocar as nossas tropas em risco; proteger comboios, compostos de batelões e outras embarcações de abastecimentos de todo o género para os nossos militares que se encontravam colocados em toda a área da Guiné.
            Também faziamos protecção aos desembarques das nossas forças que operavam nas matas e nos rios em operações de pequena ou grande envergadura, como foi o caso da operação "GALÁXIA VERMELHA" que teve lugar na Mata do Cantanhês, na margem direita do Rio Cacine, envolvendo enorme número de efectivos, nomeadamente exército, fuzileiros, para-quedistas e comandos, onde sofremos algumas baixas.Lembro-me que esta operação foi feita durante o Natal e Ano Novo de 1973, um mês depois da minha chegada a Bissau e na qual a minha unidade esteve presente.
             Um belo dia em pleno Rio Cacine, mesmo defronte da povoação com o mesmo nome, algumas horas depois de recolhermos um grupo de fuzileiros, que tinha operado nas matas do Cantanhês, fui com parte desse grupo em 3 botes de borracha, da classe “ZEBRO 3” a um dos diversos braços de rio que são navegáveis por aquele tipo de embarcações, durante a maré cheia. A cerca de milha e meia carregamos um dos botes com grande quantidade de ostras que por ali havia com abundância. Quando se preparávamos para sair, o bote carregado começou a esvaziar, devido a um corte provocado pelas lâminas das ostras. Quando procedíamos ao estancamento do compartimento furado, eis que ouvimos batucadas de vários batuques oriundos da mata da margem esquerda, assinalando a nossa presença e então toca de arrepiar caminho, quando já estava-mos um grumete fuzileiro faz um disparo de bazooka ao acaso para a mata sem qualquer aviso prévio, sujeitos a lavar ali mesmo por tabela, no entanto tudo correu bem. Por fim no interior do patrulha, aquilo é que foi comer ostras cruas tiradas a ponta de faca acompanhadas com umas cervejolas fresquinhas.
           O maior susto que tive na Guiné, foi o que passo a descrever:
Quando me apresentei na minha unidade (Patrulha Argos) um grumete que havia sido rendido naquela mesma data que de momento já não recordo,  ofereceu-me um macaco do tarrafo que tinha consigo. Passado algum tempo, depois de se ter afeiçoado a mim, era difícil deixar-se agarrar pela maior parte dos meus camaradas, havendo ali um senhor sargento que não gostava dele, ao que me parece, por um dia o ter ferrado, ao ponto de o soltar para o mesmo fazer tropelias, de tal  modo, que quando se encontrava solto ia mexer nos sistemas de comunicações ligando e desligando aparelhos, entre outros, isto com a finalidade de o Comandante MALDONADO CORTES SIMÕES, ao tempo 1º. Tenente (Grande Comandante) do qual tenho grande orgulho de o ter tido como comandante, o mandar abater e me chamar à atenção pelas diabruras de tal símio  o que chegou a acontecer, quando certo dia entrou na ponte de comando e rasgou uma carta de navegação. Então um dia, no Rio Cacine, quando procedemos ao reembarque de um grupo de fuzileiros que havia operado na mata do Cantanhês, quando subiram a bordo, deixaram o armamento que haviam utilizado, entre o qual se encontravam granadas ofensivas e defensivas em plena coberta, sobre uma lona, a dado momento ao aperceber-me que o macaco de nome FLAUZINO, não se encontrava no sítio onde o tinha deixado, Fui de imediato à sua procura, tendo-o encontrado no meio do armamento e com uma granada entre as mãos e com os dentes a morder e a puxar a cavilha. Quando observei tal, até o sangue se me congelou e ao chamá-lo, o mesmo pressionava os dentes na cavilha, tendo-me aproximado do mesmo, muito devagar e numa fracção de segundos caí sobre ele apanhando a granada. Se acabasse por retirar a cavilha, de certeza que a maior parte de nós acabava assim os seus dias, dado que naquela parte do patrulha, além daquele material, ainda se encontrava grande quantidade de cunhetes de munições explosivas para guarnecer as peças do patrulha. Nunca dei conhecimento deste assunto a qualquer dos elementos da tripulação, pois decerto que o macaco seria de imediato abatido e eu porventura levaria por tabela. Isto não é invenção da minha parte, é a pura da verdade. De qualquer forma o macaco acabou por aparecer morto, envenenado.
         Um dia também quando se encontrava-mos fundeados ao largo do Cacine, um marinheiro que nos acompanhava e que tinha uma das especialidades “mergulhador” que tinha uma G3, equipada com alça telescópica e que tinha a paranóia de caçador de jacarés e não é que me desafia e eu armado em palerma, lá vou eu a conduzir o bote, até uma zona, ao que parece “marca samba” quase perto da entrada de Jemberém e ali num estreito do rio, fizemos espera aos jacarés durante algum tempo e quais jacarés qual o quê!... A dado momento começámos a ouvir uma espécie de batucadas na zona do tarrafo, quando se tivemos de zarpar eis que a maré estava quase vazia, a hélice estava presa no lodo, desencravamos e tivemos de retirar o bote com o auxilio do remo, que por acaso ali estava e depois de por o respectivo motor fora de bordo, não é que ao começar a acelerar desenfiou-se um tirante do acelerador e lá tive de improvisar, abrindo a tampa, acelerando-o com a mão até ao patrulha. Nós por vezes não pensamos nem um bocadinho naquilo que nos possa acontecer, sujeitos a ser agarrados à mão, mas foram bons tempos, mesmo assim. Também gostava de reencontrar esse marinheiro, não lembro o nome, mas se tiver acesso a este documento, comunique.
            Embora, durante o tempo em que estive na Guiné, grande parte desse tempo passei-o com o receio de já não voltar, na realidade era perigoso, mas também ali passei momentos agradáveis, desejando relatar o seguinte:
             Passados alguns meses, encontrei-me em Bissau com um grande amigo, dos tempos de escola o "VITOR DO ZÉ NEGRO", 1º Cabo do Exército, que de vez em quando saía da sua unidade em zona de operações e vinha a Bissau tratar de qualquer assunto, onde por vezes passava alguns dias, me visitava, quando eu também me encontrava em Bissau de regresso de mais uma patrulha, vulgo “CRUZEIRO” e por norma comigo almoçava a bordo da minha unidade, o qual no dia de Páscoa de 1974 me convidou a almoçar na unidade onde estava de passagem por Bissau, no GAT 7, adstrito ao CG, do Exército. Para ali me dirigi, devidamente fardado com a minha farda branca da Armada. Depois de me apresentar ao soldado que ali se encontrava de sentinela, lá mandou chamar o meu amigo, que me levou para a camarata do GAT 7 e uma vez ali, fui informado, que não era permitido  militares de outras forças entrarem no refeitório. Então e como já ali estava e não tinha possibilidades de almoçar noutro lugar, entre o VITOR e restantes camaradas seus, acabei por me fardar com uma farda do exército, seguindo com os mesmos para a formatura geral. Apareceu o comandante de uma das companhias formadas dando ordem aos militares em parada  para seguir para o refeitório, muito olhou para a minha cara e para as botas que eu trazia calçadas que em nada tinham a ver com o fardamento do exército, mas contudo, deixou passar e lá almoçamos na paz do senhor.

Um grande abraço a todos os que pertenceram às várias gerações da LFG “ARGOS”
A todo o pessoal dos destacamentos 1 e 5 que estiveram em Ganduré, com os quais enfiei algumas bejecas. Recebam um grande abraço de Helder Gaspar.

7 comentários:

  1. É um prazer ver o modo de expressar dos que passaram pela ARGOS . Bons tempos e pelo menos sabíamos quem era o "IN" . Prazer em rever o GASPAR e as simpáticas palavras . Obrigado e um Abraço

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  2. Senhor Comandante Cortes Simões, gostava imenso de o poder ter em linha, mas pelo que me tenho apercebido, tal não tem sido possível, embora tenha tentado localizá-lo, o que até à data não consegui, venho assim solicitar-lhe a melhor forma de poder contatar. Um abraço amigo comandante.
    Helder Manuel Cação Gaspar-

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  3. Bom dia
    Por acaso estiveram com Luis Campos?
    Gostaria de obter informações.

    Obrigada

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  4. Onde anda o pessoal da "ARGOS"?

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  5. Eu ando por aqui, neste momento estou na Figueira da Foz, terra que me viu nascer.

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    1. Para os elementos da Argos, que não tenham tido acesso, cumpre-me informar que o senhor comandante Cortes Simões, já não se encontra entre nós. Que esteja na paz do senhor.

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